POESIA: 'a arrogância dos pequenos', de Julia Pastore

by - fevereiro 08, 2021

 

Fotografia por Ana Laura Palharini

a arrogância nos pequenos


desde pequena minha avó sabia
- relampiou, cobre os espelhos.
viu morrer gente de raio
então ela punha a chinela
cobria os espelhos
rezava pra Santa Bárbara

passado o temporal acendia vela
porque ninguém tolera ingratidão

eu pequena ensinava minha avó
- é relampejou, vó.
na roça falavam errado
mas eu sempre fui menina lida
- a gente tem pára-raios, vó.
ia ela calçar chinelo num por um
cobrir espelho, desligar televisão

a vizinha criava galinhas
e vez ou outra escapavam os pintinhos
todos os primos saíam pela vila
era uma festa de pena amarela
- viu, vó, eles piam. o relam, peja.
era uma festa de rir da vó

aos poucos a vó não ouvia mais história de trovão
e foi deixando de cobrir os espelhos
- não é como de primeiro.
sabia não que ciência espantava os raios

hoje eu vou na vó escutar história
de relampiar, de debulhar milho até rebentar os dedos
de ajuntar o dinheiro dos ovos das galinhas embaixo do colchão
é tão gostoso ela arrastando o chinelo de pano
dando café pra Santo Antônio

é tão gostoso o que ela tem pra me ensinar
sem ter lido um livro na vida
que quando eu crescer, eu quero ser vó.


                                                Julia Pastore

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4 comentários

  1. Lindo seu poema, Julia.
    Os avós deviam ser eternos tamanha sabedoria que nos transmitem e amor que nos oferecem.
    Faria qualquer coisa por mais um ano, um dia, um minuto com os meus!

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  2. "que quando eu crescer, eu quero ser vó." fechou com chave de ouro uma poema lindo e delicado. Estou encantada!

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  3. Quantos sentimentos! Que poema lindo, somos tão privilegiados por esses especiais que são os avós <3

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