Análise de 'Coqueiral', de Matilde Campilho

by - março 06, 2021

 

Imagem por Thaís Costa

COQUEIRAL

A saudade é um batimento que rebenta assim
vinte e oito vezes desde meu ombro tatuado
de desastre até à rosa pendurada em sua boca

E o amor, neste caso específico, é um mergulho
destemido que deriva quase sempre de uma nota
climática apenas para convergir no osso frontal
do crânio do rei da ilusão – terno é o seu rosto

Senhor, os ossinhos do mundo são de mel e ouro.



    Lendo pela primeira vez ‘Coqueiral’, de Matilde Campilho, o que salta aos olhos é a ideia do amor que a poeta desenvolve - amor cuja distância não é capaz de apagar. Salienta-se essa face, logo na primeira estrofe: “a saudade é um batimento que rebenta assim”. Ao chegar em um corpo a corpo com o poema, atenta-se para outras questões, até então invisíveis, no texto. 
    A distância entre o coqueiral e o mar, título e corpo do poema, seria, possivelmente, a distância entre os amantes. O espaço entre eles não parece ser físico, como o coqueiral e o mar, mas sim sentimental, em que se ressalta a diferença entre ambos. 
    Transcorre daí que, para além de distante, trata-se, similarmente, de um amor não duradouro ou uma paixão. O envolvimento, sentimento, está associado a uma experiência infeliz, uma vez que há uma imagem caótica do mergulho que deriva de uma nota climática (sol) e que é convergido no crânio. Suscita, portanto, a interpretação de que esse amor/paixão é uma ilusão, mas que essa dualidade é importante para construir um esqueleto - “os ossinhos do mundo são de mel e ouro”. O mel e o ouro são elementos da mesma cor, mas com valores bem diferentes, assim como o amor e a ilusão. 
    É um poema de movimento e tragicidade. O teor trágico fica representado pelo agito do mar, que demanda um mergulho destemido.



                                                                        Thaís Costa

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