Análise de 'Presságio', de Fernando Pessoa

by - março 01, 2021

 

Imagem por António Faria

'Presságio', de Fernando Pessoa
 
O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar pra ela,
Mas não lhe sabe falar.
 
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente…
Cala: parece esquecer…
 
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
 
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
 
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar…
 
           
            Todo o poema é construído com base em oposição, seja pela ação e negação, como em revela/não sabe revelar, sabe/não sabe, pela repetição da conjunção adversativa “mas” ao longo do poema, por palavras antônimas, como fala/cala, ou pela utilização da sinestesia em “se pudesse ouvir o olhar”. Tudo isso para ilustrar a contradição que é o amor, desde o momento inicial quando ele se revela para o amante, até o momento de sentir, de fato, e expressá-lo.
            O eu-lírico ama, mas não sabe expressar seu amor pela amada. O poema se revela como uma tentativa de declaração amorosa, pois, mesmo não sabendo exteriorizar o amor que sente, ele tenta pôr em palavras o que é indizível, construindo o poema. Há uma expectativa que ela o leia e entenda seus sentimentos, como se observa na última estrofe. O título, ‘presságio”, já nos revela essa torcida ou sentimento de esperança de que seu amor será entendido pela amada através do espaço simbólico, onde o amor tem sua vez.


                                           Crístian Ferreira

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