Análise de 'Revolução', de Sophia de Mello Breyner Andresen
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REVOLUÇÃO, de Sophia de Mello Breyner Andresen
Como casa limpa
Como chão varrido
Como porta aberta
Como puro início
Como tempo novo
Sem mancha nem vício
Como a voz do mar
Interior de um povo
Como página em branco
Onde o poema emerge
Como arquitectura
Do homem que ergue
Sua habitação
A palavra “revolução”, termo que vem da astrologia, significa movimento orbital: o retorno ao mesmo ponto de partida que, no poema de Sophia, reconfigura o lugar: a casa; busca o novo. Logo em seguida, percebe-se a recorrência da palavra “como” estabelecendo a comparação dessa renovação a objetos do campo semântico de “casa”. E isto é delimitado nos vocábulos que remetem à limpeza e ao recomeço: limpa, varrido, aberta, início, novo e branco. Observa-se, também, o uso de palavras-chave que refletem o sentido de liberdade. A leitura de “casa” também permite inferir que essa região vivenciada pela tentativa do renovo é um espaço de intimidade. Trata-se, portanto, de um lugar de pertencimento.
Do lugar demarcado: a casa, parte-se para o espaço. No terceiro verso o lugar que é “limpo” e “varrido” se materializa numa porta. E esta porta tem uma funcionalidade significativa. Através dela há uma filtragem de modo que se pode controlar o que passa e o que não passa. A porta recebe, então, o papel de controladora de momentos e sensações, apontando para a noção de liberdade.
Já no quarto verso, a autora expande o ideal de recomeço. “Como puro início” transmite uma ideia de reforço e pode ser caracterizada como pleonasmo, pois todo o início é considerado puro, afinal é o primeiro passo para algo que nunca foi feito, ou seja: sem máculas. Este pleonasmo existe para evidenciar a intensidade do querer, pois não bastaria ser um início, precisaria ser algo além de um simples começo, precisaria antes de tudo ser puro. O jogo de reafirmação presente no quinto verso também reaparece no verso seguinte: “como tempo novo”. O sentimento por uma renovação é tão grande que isso é repetido através da figura de linguagem, ou seja, o tempo é novo duas vezes.
Do lugar, a casa, parte-se para o espaço, o mar, o espaço poético, a página em branco; o registro daquilo que é requerido através do poema. É o registro da voz, é a reescrita de novos acontecimentos. E é assim que a arquitetura é colocada em jogo tratando-se, literalmente, da organização de um novo espaço que estava disposto a renascer, transformando a casa em habitação.
Daiane Araujo
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