ANÁLISE: 'Poema para habitar', de Albano Martins
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Poema para habitar (Albano Martins)
A casa desabitada que nós somos
pede que a venham habitar,
que lhe abram as portas e as janelas
e deixem passear o vento pelos
corredores.
Que lhe limpem os vidros da alma
e ponham a flutuar as cortinas do sangue
– até que uma aurora simples nos visite
com o seu corpo de sol desgrenhado e quente.
Até que uma flor de incêndio rompa
o solo das lágrimas carbonizadas e férteis.
Até que as palavras de pedra que arrancamos da língua
sejam aproveitadas para apedrejarmos
a morte.
“Poema para habitar” nos propõe o encontro de moradas imagináveis, concretas e possíveis. Moradas feitas não só para o corpo, mas para o sensível e para os ideais. Esta morada é o poema, esta morada é um coletivo ― “que nós somos” ― e ainda mais.
Logo no primeiro verso, podemos capturar o termo que constrói as relações do corpo poético: casa. Durante a primeira estrofe, chegam ao destinatário-leitor apelos de uma casa desabitada e fechada. Os primeiros pedidos ― talvez os mais urgentes ― reclamam a ocupação, a abertura e o arejar.
Na segunda estrofe, as solicitações desdobram-se em uma simbiose de campos semânticos. As imagens dos “vidros da alma” e das “cortinas do sangue” dotam a casa de traços humanos e reiteram o discurso da representação de um corpo. A esperança da visita de uma aurora encerra o que poderíamos chamar de um ciclo de preparativos e orienta o corpo-casa para um ciclo de acontecimentos.
Na abertura da última estrofe, a quentura solar remanescente aponta ou faz brotar uma “flor de incêndio”. Então nos perguntamos: como lágrimas carbonizadas poderiam cultivar uma flor? Lágrimas incineradas fecundam, porque a flor que (re)nasce não poderia ser de outro elemento se não fogo. Assim, o convite da primeira estrofe torna-se convocação e reveste-se em mudança para converter-se em vida, em outras palavras, oposição à morte.
Mônica Silva dos Santos
1 comentários
Excelente escolha de poema para analisar, Mônica. Parabéns!
ResponderExcluirBeijos, manu.