Carta a Pessoa, de Wanessa Rangel

by - julho 24, 2023

 
Fonte: https://irmaosestoicos.com/2021/09/19/para-ser-grande-se-inteiro/

    Caro Pessoa,

  Venho do futuro para tentar responder a uma de suas indagações: “eu não sei o que o amanhã trará”, posso lhe garantir que as notícias não são animadoras, mas, em meio a tanto desânimo, posso assegurar que você ainda é o antídoto para muitos dos males que o progresso tem nos causado.
  Eu falo deste “amanhã” que você deixou no ar quando realizou a “passagem” e fez a pergunta, colocando um ponto, parágrafo, em sua trajetória. Se não sabia o que o amanhã apresentaria, venho através desta dizer-lhes um pouco sobre os tempos modernos, menos concretizadores e imerecedores das projeções românticas, enfáticas e, sobretudo promissoras, que marcaram o final do Século XIX e início de XX.
  Se eu pudesse representar o mundo atual, diria que ele caberia bem na biografia de Álvaro de Campos. Ele é menos do que poderia ter se tornado, não somente pelos horrores da 2a Guerra, mas também porque ironicamente, e com requinte de crueldade, o fascinante progresso industrial viera pelo vigor das mãos sujas da indústria da guerra, carregando em cores bastante nítidas angústias e incompreensões, sentimentos que nos atravessam até hoje.
  Mas, por outro lado, há fatos curiosos que preciso revelar. Suas obras ficaram mais famosas no Brasil que em sua terra natal. A artífice de tal façanha foi Cecília que agora ri contigo no infinito, ela foi uma brasileira, cujas obras ficaram mais famosas em Lisboa, que em sua terra natal. 
   Creio que você e Cecília estejam agora juntos, dando boas risadas das peças que Deus nos prega quando embaralha tempo e espaço e salpica genialidades que se alimentam do mesmo vigor.
  Nosso tempo nos escapa, nos tornamos cada vez mais solitários e amargos, a alteridade ainda é um problema, o tempo não curou nossas diferenças, ainda sentimos ódio pelo diferente, a ponto de querer matar. Acho que não nos curamos totalmente do fascismo, do imperialismo, da tirania de todos estes “ismos” que tanto nos fizeram mal.
  A modernidade estaria mais afeita à mutilação daquilo que você enxergou em suas obras. É com tristeza que volto do futuro e confidencio que o mundo, hoje está mais para Bernardo Soares, pois vivemos em uma sociedade de consumo e baseada em meras e vazias projeções de individualidades, como no baile de máscaras, agradando-nos apenas pela aparência do traje, que nas redes é tudo. Nunca fomos tão servos das luzes e das cores e vamos só na dança pois não há mais verdade.
 A esperança para os nossos tempos é que possamos contrabandear Fernandos e refecundar o mundo antes que seja esterilizado. Não morra, Pessoa!

                                                          
Rio de Janeiro, 15 de julho de 2023.

    Assinado Wanessa Rangel

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