Análise de 'Se eu morrer novo', de Alberto Caeiro

by - março 15, 2021

 

Almada Negreiros, «Retrato de Fernando Pessoa», 1964, Óleo sobre tela, 225 x 226 cm, Museu Calouste Gulbenkian – Colecção Moderna. 

Se eu morrer novo
Alberto Caeiro

Se eu morrer novo,
Sem poder publicar livro nenhum,
Sem ver a cara que têm os meus versos em letra impressa,
Peço que, se se quiserem ralar por minha causa,
Que não se ralem.
Se assim aconteceu, assim está certo.
Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos,
Eles lá terão a sua beleza, se forem belos.
Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir,
Porque as raízes podem estar debaixo da terra
Mas as flores florescem ao ar livre e à vista.
Tem que ser assim por força. Nada o pode impedir.
Se eu morrer muito novo, oiçam isto:
Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm.
Fui feliz porque não pedi cousa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.
Não desejei senão estar ao sol ou à chuva —
Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo (E nunca a outra cousa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe.
Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela única grande razão —
Porque não tinha que ser.
Consolei-me voltando ao sol e à chuva,
E sentando-me outra vez à porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que o não são.
Sentir é estar distraído.
 



    O poema começa por uma condicional: “Se...” e mostra logo no início uma síntese do que se apresentará ao longo dos versos plenos de contrários. Nos dois primeiros, podemos observar que mesmo que a morte encontre o poeta antes de ver seus versos publicados, os seus leitores não devem se preocupar, o que foi é o que foi, aconteceu, pois assim deveria ser. Todavia, logo em seguida, o eu lírico
diz ser os seus versos tão belos que isso não iria de fato se concretizar, já que assim como as flores não podem ser impedidas, a força de sua escrita não o será. O poeta, então, brinca com a palavra “não”, negando a todo tempo o seu desejo e suas vontades, ao passo que afirma a todo momento a natureza do fluxo das coisas finalizando com o “Não tinha que ser”. O eu lírico, então, está em um estágio de conformidade em relação à vida. As surpresas dadas pela natureza o movem. Acolhe o acaso e se deixa levar. Assim como a morte é um sopro de distração, para entender e sentir o que a realidade nos envia é preciso não esperar e estar presente, pois “Sentir é estar distraído” e, como nos lembra Eduardo Lourenço, pensando em Caeiro: “ imaginariamente felizes”. Se fosse...

        
                                               Yngrid Antonio

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