POESIA: 'Despeço-me', de Felipe Mattos do Carmo

by - abril 19, 2021

 
Imagem por Felipe Mattos do Carmo

Despeço-me

Despeço-me por um instante
daquilo que eu tanto almejei.
Quem diria que um dia atravessaria
mares, terras e o céu para estar aqui.

Por um instante, despeço-me
do dia que encontrei com a chuva
da manhã, ao andar em paralelepípedos
trêmulos e um rio que cercou meu coração

Despeço-me por um momento
das escadarias e dos bancos onde troquei
as prosas mais bonitas e os sorrisos
que me bordaram.

Por um momento, eu despeço-me
das vezes em que precisei escrever
várias páginas cobertas de amor
e delas saíram as mais lindas poesias.

Despeço-me por hora
daquela vez em fugimos de casa
e no trapiche da beira do rio
e nas árvores da praça, prometemos o melhor dia.

Por hora, eu despeço-me
dos amores que eu vivi, enquanto
Sofia aprendia a amar, Mariana
sofria por ser o amor.

Despeço-me brevemente,
do dia em que me encontrei na praia
e derramei um copo d’água sobre meus pés.
Nas areias, o sangue como pegadas.

Brevemente, eu despeço-me
do amanhã de domingo, da menor das ladeiras
o meu reencontro com o mar
e os morros que aqui cercam.

Despeço-me até mais ver
das chamas que viraram ruínas,
o meu porto-seguro em cinzas
que havia de ter prometido o amor.

Até mais ver, eu despeço-me
dos andanças que fizemos no sol da grande
e velha cidade e da noite
em que fugíamos em busca do mundo.

Despeço-me por esquecer
do meu último suspiro de ar,
quando os ventos haviam sumido
e o meu corpo a padecer só.

Por esquecer, eu despeço-me
da vez em que me sentei sozinho
em uma mesa e pensei
que não havia mais nada a encontrar.

Despeço-me por hoje
das longas conversas que eu tive,
trancadas as setes chaves
e prometidas ao túmulo do esquecimento.

Por hoje, eu despeço-me
do amor de um quarto e casa, do meu falar
das risadas, dos encontros e desencontros
tudo parece ter sido tão ontem.

Despeço-me por agora
de uma história tão completa,
que me fez criminoso por arriscar demais,
que me fez herói por amar demais.

Por agora, eu despeço-me
de ti que estás a ler este texto e
dizer que felizmente tudo ocorreu
como deveria ser, a liberdade.

Despeço, eu despeço-me,
mas não é um adeus.
É um até logo, até breve, até mais
até daqui a pouco.

Eu despeço-me, despeço
a pedir aos ventos que me carreguem
ao aconchego de quem viveu, todas as linhas
versos e prosas deste poema.



                                                                                                         Felipe Mattos do Carmo

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