Imagem por André Filho |
O MENINO QUE MATOU O PAI
Relacionamentos. se constroem com o tempo
sentimentos. com o tempo ficam mais fortes
cabo de guerra, amor e ódio, rompe e morre
slow-motion no tempo, tua vida foi ficar de porre
Garçom, traz mais uma dose de alegria
Brahma no copo! alucinado noite e dia
diferente de tu, dona Ana foi minha guia
conheci omolú e tu sempre na letargia
Na saúde e na doença? eles não eram casados
espancando seus problemas e mentindo o resultado
“mas sua mãe é foda”
sim, eu sei
cuidou de dois sozinha enquanto tu sumia outra vez
nunca diga que tu é homem
pois isso, tu não é
porque aquele que é de verdade não agride mulher
nem abandona seus filhos, ou deve pensão
finge estar certo, só pra não pedir perdão
suas mentiras lavadas renunciaram a guarda
mal de toda relação, o afastamento na calada
Distância, com o tempo fica mais longa
sem mais delongas, meu corpo envelhece
questões tão amplas, minha cabeça nunca esquece
quero sustância(substância) mas fico preso nessa cela
e lembro do tempo que não volta mais
em ultima instancia, o menino matou o pai.
Registro de Confissão, Rio de Janeiro, dia 1 de março de 1999. 22h06 PM.
Gritos, choros e lamentações. Foi tudo aquilo que ouvi naquele dia nebuloso e raro na cidade maravilhosa. A discussão havia se iniciado por volta das seis horas da noite, quando o *** chegara bêbado em casa com mais dois anjos imaginários. Baco e Lúcifer sempre acompanhavam ***** quando este saía. Eram inseparáveis, como siameses metamorfoseados na figura kafkiana. “Cadê a janta” gritou Lúcico para sua serva, enquanto sentava no sofá com o corpo sujo e gosmento.
A serva de braços fortes e brasileira sem tempo para insetos insignificantes berrou “você acha que tem alguma empregada aqui”.
Silêncio. As vezes, é nele que se consegue prever o que vem depois. Porém, naquele dia estava de fone no quarto ao lado, ouvindo O que Separa os Homens dos Meninos. Vol 1, ainda não havia aprendido a ouvir o silêncio. Única coisa que ouvi foi a frequência sonora do tapa que, por algum milagre — divino talvez não seja — adentrou junto as batidas das rimas e letras, injetando uma dose de adrenalina em mim. Abri a porta do quarto e me deparei com a cena mais triste e impotente da minha vida. A *** deitada no carpete sujo da sala mal-iluminada, enquanto o *** no alto brincava de futebol com o corpo da vítima.
O corpo costuma adotar posturas estranhas em frente a situações críticas. Procura objetos cortantes e letais em sua volta, mesmo sem conseguir se mover. Como uma tela azul de Windows, você bate e bate e bate na torre, mas a resposta é sempre a tela azul.
Vi tudo preto e em seguida Lúcico ensanguentado no chão. Só deu tempo de abraçar a serva, minha visão ainda turva foi iluminada pelo clarão das luzes vermelhas e azuis, que refletiam minha camisa branca com manchas cobreadas e meus punhos roxos e dormentes.
Acordei tremendo e gritando, passou-se anos e não os vejo mais. Memórias, afetos, perdões e sentimentos bloqueados. Suor em meu pescoço, corpo frio e febril. A serva senta-me na cama e com sua toalha verde enxuga as lágrimas que meu corpo reproduz, enquanto bebo água e tomo a pílula azul da arrogância humana.
André Filho
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